quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Observações (in)oportunas

Jadson Oliveira

1 - No telejornal Hoje, da Rede Globo, no início da semana (dia 20 ou 21), o psiquiatra Raul Gorayeb começou a fazer uma abordagem interessante sobre o sequestro e tragédia envolvendo a adolescente Eloá, em Santo André, SP. Falou que tais episódios têm muito a ver com o tipo de sociedade que os propicia, que os incentiva.
Me parece uma abordagem pouco usual em nossa grande imprensa. Me interessei em ouvir mais, mas a linha de abordagem foi mudada rapidamente. No bloco seguinte, os apresentadores perguntaram sobre o namoro de uma adolescente com um homem mais maduro.

Creio que a primeira visão ressaltada pelo psiquiatra poderia ajudar a entender melhor essas “loucuras” que a todo momento estouram por aí.
Mas, decididamente, a grande mídia não está aí para ajudar a esclarecer. Está aí para ajudar a confundir. Afinal, é ela própria que difunde e cultua os valores que formam o caldo de cultura de tais desmandos sociais: individualismo, sucesso a qualquer custo, exacerbação do sexo e violência, consumismo, ganhar dinheiro, ganhar dinheiro, make money, make money, esta esquizofrenia dos norte-americanos.
Não é por acaso que volta e meia um jovem “maluco” nos Estados Unidos pega uma arma e sai atirando nos outros.

Será que se vivêssemos em uma sociedade onde os valores cultuados fossem outros, tais manifestações de selvageria não seriam, pelo menos, reduzidas? Valores como solidariedade, amizade, fraternidade, consciência do bem coletivo e mais igualdade social só nos fariam bem. Valores cristãos ou socialistas em contra-posição aos valores capitalistas. Talvez esteja por aí uma boa trilha para discussão. Quais os meios de comunicação que teriam interesse em tal debate?

2 – Podemos incluir nessa discussão a questão da violência em Salvador. A imprensa tem feito uma farta cobertura, tenho acompanhado mais por A Tarde, fala-se de guerra entre PMs e bandidos. Claro que a cobertura destaca mais o assassinato de policiais, mesmo porque a morte de bandidos e/ou supostos bandidos (negro, pobre, jovem, da periferia) é uma rotina há muitos anos. Às vezes, sai uma notinha destacando “troca de tiros” e “resistência à prisão”. Parece que a sociedade, pelo menos a maioria, apóia.
Outro dia, numa roda de bar, alguns amigos me disseram: “O problema é que estão matando pouco, antes era melhor, matavam mais...”

Alguma coisa está errada. Se matar bandido fosse a solução, o problema já estaria se resolvendo. Mas não está. Ao contrário, está se agravando.
Não é só com a ação policial que vamos encaminhar tal questão, os estudiosos estão carecas de ressaltar isso. E os policiais acabam entrando de boi de piranha, de agentes da repressão tornam-se também vítimas.

Há uns quatro ou cinco dias A Tarde deu uma matéria equilibrada sobre esta “guerra”, da repórter Helga Cirino, apontando que este ano foram mortos 28 PMs e 80 bandidos (e/ou supostos). Tais números já devem estar mais elevados. (Um reparo para a manchete da página interna: “Mais mortes de PMs e autos de resistência”. Horrível! “Auto de resistência” é a tal ocorrência feita pelos policiais dizendo que o cara resistiu, houve troca de tiros...)

3 – E a indústria do entretenimento? Está a todo vapor nos nossos jornais. Que coisa! O anúncio da gravidez de Ivete Sangalo mereceu a metade (no alto) da primeira página do Correio (ex-da Bahia). E uns três ou quatro dias depois, o anúncio da perda do bebê não ficou por menos: outra meia (no alto) primeira página. Não vi o material nas páginas internas.

Os editores de A Tarde foram mais comedidos: uma chamada no alto da primeira página nas duas ocasiões (com foto e depois, sem foto). Isto, na primeira página, porque dentro, quando do anúncio da gravidez, foram pelo menos três dias seguidos com amplas matérias (uma concorrência e tanto com as revistas de fofocas, celebridades).

Para se ter uma idéia de como essa coisa do entretenimento, do espetáculo, toma conta da grande mídia, lembro que há uns 15/20 anos atrás, os jornais tinham colunas especializadas que se encarregavam desses assuntos, considerados, de modo geral, menores, menos importantes.
A Tarde, por exemplo, manteve por muitos anos uma de grande sucesso, chamada Lady Eva (por falar nisso, por onde anda nossa colega Evanice?).

4 – Há cerca de duas semanas, a agência de notícias Prensa Latina denunciou perante a Associação dos Correspondentes da ONU que dois jornalistas cubanos, correspondentes da agência na sede da ONU (Nova York), tiveram seu visto de entrada nos Estados Unidos negado pelo governo. Eles cobriram as atividades das Nações Unidas durante três anos, estavam de férias em Cuba e foram impedidos de retornar.

A Prensa Latina foi criada em Cuba em 1959, logo após a vitória da revolução cubana. Evidentemente, oferece uma outra versão do noticiário internacional que lemos diariamente em nossa grande imprensa. Seus serviços, claro, não são comprados pelos jornais brasileiros e não vi esta notícia em nossa mídia (li no site da Telesur).

Só um comentário: já pensaram a zoada nos nossos meios de comunicação se isso tivesse ocorrido no Brasil? (lembram do episódio daquele correspondente – do The New York Times? - que disse que o presidente Lula só vivia bêbado?). E se fosse feito pelo governo da Venezuela, da Bolívia ou do Equador? E de Cuba? Aí seria um Deus-nos-acuda! Mas foi nos Estados Unidos, país exemplo de democracia, guardião da famigerada liberdade de expressão.
Então, nossa mídia se cala circunspecta.

4 comentários:

Rodrigo Carreiro disse...

Sobre a violência, creio que a mídia baiana está fazendo a cobertura errada e obtusa típica de grandes jornalões. A escalada de mortes é imensa, mas os dois grandes jornais e toda a mídia televisiva só se encarrega de contar os mortos. Todo dia sai notas e mais notas de mortos, confrontos e etc. Mas e aí? O que vem a partir disso? Porra, mais de 2000 pessoas foram assassinadas em SSA só esse ano e a mídia só trata de contar os mortos? Cade a repercussão, a investigação, o aprofundamento? Alguma coisa (ou muitas, é mais provável) está acontecendo pra uma quantidade tão grande de assassinatos. A cobertura continua no mesmo marasmo.

Mônica Bichara disse...

Sobre a cobertura policial, ou de segurança, dos nossos jornais, gostaria de destacar a criação do blog À Queima Roupa, no site do Correio, pela colega Jaciara Santos. Dona de um texto brilhante, Jaci merecia mesmo ter um espaço onde tivesse mais liberdade para escrever, com a sensibilidade que já virou marca registrada das suas reportagens. Muito bom, Jaci, parabéns. Principalmente porque abre espaço para a comunidade se manifestar. Afinal, como diz Carreiro, a cobertura policial não deve se limitar a contar os mortos. Vale à pena ler, por exemplo, o comentário que ela postou sobre o caso Eloá, analisando a repercussão na mídia.

Jadson disse...

Rodrigo Carreiro faz uns comentários interessantes sobre a violência em Salvador. Gostaria de ter dados mais precisos, mas não acompanho bem essa tragédia em que se transformou a vida nas grandes cidades. Ele fala de 2.000 assassinatos neste ano. Vi no INLASEP Blog (Sistema de informações sobre violência na América Latina) que houve 1.122 homicídios dolosos (com intenção), em Salvador e região metropolitana, nos primeiros seis meses deste ano (janeiro a junho/2008). Segundo o blog, é a primeira vez na história que o número ultrapassa a 1.000 em um semestre e, em termos relativos, a violência aqui foi maior do que no Rio de Janeiro, nos primeiros quatro meses do ano.
Tudo conforme o blog, o secretário da Segurança, César Nunes, atribui tal crescimento a uma “intensa guerra no tráfico de drogas”, fruto de uma “desarticulação promovida no primeiro escalão do tráfico”.
Sobre o chamado caso Eloá, li hoje, dia 24, em A Tarde (página de opinião, editorial), o comentário “Os jovens e a violência”, de Mary Garcia Castro e Miriam Abramovay. São estudiosas sobre a relação dos jovens com a família, fazem referência ao livro de sua autoria “Juventude, juventudes: o que une e o que separa”. Me pareceu bem criteriosas. Criticam certas abordagens, onde “omitem-se agências sociais, a lógica do mercado e a falta de políticas públicas de segurança social...”
Falam dos atores sociais que competem com a família, como a escola, MODELOS DIFUNDIDOS PELA MÍDIA (destaque meu), a banalização da violência e a facilidade de acesso a armas de fogo. Ressaltam a influência da cultura do machismo. E reforçam que “são muitos os personagens/agências que montaram o cenário para tal desfecho”.
Voltarei aqui depois de ler À Queima Roupa, blog de Jaciara Santos (companheira de antigas batalhas), conforme indicação de Mônica.

Mônica Bichara disse...

Jadson, esqueci de te falar sobre Evanice. Ela está bem e às vezes aparece na Câmara. Na legislatura passada Eva assessorava a ex-vereadora Valquíria Barbosa. Realmente a coluna Lady Eva fazia um sucesso e tanto.