quarta-feira, 29 de outubro de 2008

“Os Estados poderosos se opõem à democracia”

Jadson Oliveira



O lingüista Noam Chomsky, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, sigla em inglês), é um crítico mordaz da política imperialista de seu país. Tem 79 anos, 53 deles como professor no MIT, mais de 100 livros e 22 títulos honoris causa. The New York Times, o jornalão do establishment norte-americano, classifica-o como o mais importante intelectual vivo.

É interessantíssimo checar o contraste entre suas análises e declarações com o que vemos diariamente na grande imprensa brasileira (também ocidental, mundial). Especialmente porque os donos da “mídia gorda” e seus comentaristas de aluguel não têm coragem de tachá-lo de comunista ou terrorista, designações com que o governo dos Estados Unidos criminalizava ontem (ou criminaliza hoje) seus inimigos.

É difícil identificar alguma paixão ideológica em suas argumentações, é como se se tratasse de um poço de racionalidade, apesar da contundência de muitas de suas declarações.

Chomsky diz coisas como:

Estados Unidos são um país de partido único, o Business Party (Partido dos Negócios), com duas facções: os republicanos e os democratas. (Ou então, diz: o Democrata é o partido dos ricos, enquanto o Republicano é o partido dos muito ricos).




De fato, na prática, é isso aí, embora se saiba que haja em torno de duas dezenas de partidos. Outro dia li uma matéria (deve ter sido na Internet) onde havia referência a sete candidatos a presidente dos Estados Unidos, além de Obama e McCain.

Mas a lógica do sistema é a do partido único, os outros não têm a mais remota possibilidade de serem eleitos e nem existem para a grande mídia.

Ele esteve por aqui num dos fóruns sociais de Porto Alegre, cercado de toda a babação da grande imprensa. Me recordo que o saudoso Fausto Wolf, sempre um crítico rigoroso de nossa mídia, observou na ocasião que a nossa imprensa deu a Chomsky um tratamento de mito.

Todo este nariz de cera (introdução, na gíria jornalística) é para transcrever uma resposta do lingüista numa entrevista ao Le Monde Diplomatique/Brasil (a última, de outubro/2008), com o mesmo título que usamos acima.

A resposta está por inteiro, mas vou dividi-la em três partes, para acrescentar um comentário em cada uma. O jornalista Gaspar Segrafredo perguntou sobre as “democracias exportadas”, onde ganham os extremistas, dando como exemplo o Hamas na Palestina. Sua resposta:

Castigando os palestinos

1 – “Antes de tudo, não existem as “democracias exportadas”, é um engano. Os Estados poderosos se opõem à democracia.

Em todo o mundo árabe houve uma única eleição livre: a de janeiro de 2006, na Palestina. Todos estão de acordo que foram livres e justas. Mas, do ponto de vista americano e israelense, ganharam as pessoas erradas. Como nos Estados Unidos a classe dirigente e os intelectuais desprezam a democracia, eles reagiram junto com Israel, castigando a população”.

(Quem não está careca de ver a parcialidade com que a grande imprensa - brasileira, internacional, a matriz vem das agências de notícias, dos donos da mídia, afinados com a visão da inteligência estadunidense, da CIA – cobre a guerra entre Israel e Palestina? O Hamas, hoje o partido mais forte dos palestinos, tão forte que ganhou as eleições enfrentando a OLP de Arafat, é tratado em nossa imprensa como “grupo” ou “grupo terrorista”.

Prestem atenção. Quando há os ataques do bem armado (armado pelos norte-americano) exército israelense, a imprensa chama de “incidentes”. Na verdade, são agressões, porque Israel invadiu, ocupou o território palestino.

Reparem
: quando o exército de Israel faz um ataque, a mídia tem o cuidado de dizer que foi em represália a alguma atitude dos palestinos, os quais, de fato, estão se defendendo (às vezes com pedradas) porque foram invadidos. Quando Israel prende um palestino, a mídia diz que houve prisão, mas quando os palestinos prendem um israelense (às vezes acontece), a mídia chama de “seqüestro”. E assim por diante).

Respaldando golpe militar

2 – Continua Chomsky: “Não foi só com o Hamas na Palestina, vamos pegar o exemplo da Venezuela: podem ter a opinião que quiserem sobre Chávez, mas a questão é o que pensam os venezuelanos. E os estudos da Latinobarómetro (consultoria chilena) dos últimos anos indicam a Venezuela no primeiro ou segundo lugar em aprovação do próprio governo e da democracia. É isso que pensam as pessoas. E como reagem os Estados Unidos? Respaldam um golpe militar, sansões, demonizam o presidente...”

(Vou falar pouco, pois tenho falado demais sobre a revolução bolivariana, meus amigos já devem estar de saco cheio. Creio que é fácil perceber as preferências da nossa mídia quando se trata do governo venezuelano. O golpe de que fala Chomsky foi em 11 de abril de 2002, Chávez voltou nos braços do povo no dia 13. Outro dia li uma matéria na revista Veja. O título, com chamada de capa: “Chávez aprofunda sua ditadura”. É o chamado terrorismo midiático).

3 – Finaliza Chomsky: “O mesmo com a Bolívia. Novamente, cada um pode opinar como quiser, mas houve eleições notavelmente democráticas em dezembro de 2005, quando a maioria indígena pôde, pela primeira vez, eleger um de seus pares, Evo Morales. Isso é democracia. Quando os Estados Unidos tentam solapá-la, refletem sua visão: está tudo bem, desde que seja da nossa maneira”.

(Recentemente os golpistas bolivianos quase conseguiram derrubar o governo de Morales, com a ajuda, claro, do governo dos Estados Unidos. Foram fundamentais para a resistência a mobilização dos indígenas e o respaldo de quase todos os governos da América do Sul, inclusive do Brasil, apesar das simpatias do PIG – Partido da Imprensa Golpista -, como o jornalista Paulo Henrique Amorim, do blog Conversa Afiada, chama a nossa grande mídia).

Governo Bush oficializa tortura

Ainda na mesma entrevista, o linguista norte-americano faz declarações como: “O governo Bush é o primeiro na história dos Estados Unidos oficialmente a favor da tortura”; ao falar das intervenções pelo mundo: “Os Estados Unidos são um dos principais Estados criminosos do mundo e, ainda assim, não sou a favor de que ninguém intervenha em meu país. Não é a forma de resolver. Não existe nação alguma autorizada a fazê-lo. Sobre este tema, creio que a restrição na Carta da ONU é correta”.

Mais uma: “Tradicionalmente, as sociedades sul-americanas são ilhadas, separadas entre si, dirigidas por elites mantidas à custa do sofrimento de uma grande massa pobre. Mas estão começando a encarar isso, como no caso boliviano. Até onde chegará a transformação? Os sul-americanos é que têm de determinar”.

3 comentários:

Rodrigo Carreiro disse...

Bela análise geral das democracias modernas. Não só de Chomsky (que inclusive tem artigos reproduzidos no A Tarde), mas também sua. Parabéns pelo posicionamento.

Jadson disse...

Muito estimulante a avaliação do Rodrigo Carreiro (não o conheço, deve ser de uma geração beeeeeem mais jovem que a minha. Descobri que tem um blog, Terra de Ninguém - www.terradeninguemba.blogspot.com - movimentado, criativo e irreverente, como devem ser as coisas de jovens inteligentes).
Volto à carga ainda com Chomsky. Em uma entrevista no Brasil de Fato (jornal de esquerda que parece ter uma circulação bem restrita), ele fala sobre a atual crise financeira. E, ao apontar os ventos de mudança na América do Sul, destaca a reunião da Unasul (União das Nações Sul-americanas), realizada em Santiago, Chile, na qual os governos da região, por unanimidade (ou seja, incluindo o da Colômbia, o queridinho dos EUA), respaldaram o presidente Evo Morales, que estava na iminência de ser derrubado por um golpe.
Aí Chomsky observa (vou botar em caixa alta, porque é demais): "O FATO FOI TÃO IMPORTANTE QUE A IMPRENSA DOS EUA NÃO NOTICIOU. HÁ UMA FRASE AQUI, OUTRA LÁ, DIZENDO QUE ALGO ACONTECEU, MAS A IMPRENSA ESTÁ SUPRIMINDO COMPLETAMENTE O CONTEÚDO E O SIGNIFICADO DO QUE ACONTECEU".

Anônimo disse...

Compañero Jadson e O Corte? Vale um bom artigo seu sobre aquela história, nesses tempos de crise econômica. A coisa já tava feia há uns dez anos com os famosos enxugamentos de pessoal nas empresas, agora tende a ficar pior.