quarta-feira, 26 de novembro de 2008

E Chávez perdeu ou não perdeu?

Jadson Oliveira

Passados três dias das eleições para governadores e prefeitos (e também parte do que poderíamos chamar deputados estaduais ou vereadores) na Venezuela, as pessoas no Brasil se perguntam:

Mas o presidente Hugo Chávez perdeu ou não perdeu?

A maioria, penso, deve estar com a primeira alternativa na cabeça, pois foi por aí que a nossa grande mídia trilhou, seguindo, aliás, o script dos últimos dez anos, desde que o povo venezuelano, sob a liderança de Chávez, começou a construir uma democracia participativa em busca do socialismo. Um processo batizado de revolução bolivariana (do libertador Simón Bolívar), mas que a grande imprensa adora chamar de ditadura de Chávez.

A cada dia não me canso de admirar a habilidade da nossa imprensa em (de)formar a cabeça das pessoas.
Primeiro é dito – uma verdade factual, indiscutível – que o partido do presidente, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), venceu em 17 dos 22 estados em disputa. Uma vitória contundente, não há como fugir disso. Logo em seguida, porém, eles (os agentes da mídia grande) emendam um “mas...”

E na hora do “mas”, enchem a bola. Dizem que a oposição ganhou nos grandes centros, que Chávez agora terá de compartilhar o mando com Antonio Ledezma, eleito prefeito de Caracas (Alcaldía Mayor), que em 2004 a oposição ganhou em apenas dois estados e agora ganhou em cinco, e vão por aí.

Verdade ou mentira? É uma mescla de verdades, meias verdades, mentiras, distorções, descontextualização, sonegação de informação, chegando ao que gosto de chamar manipulação deliberada da notícia. Vamos devagar:

1 – Realmente os chavistas perderam no estado de Miranda e na Alcaldía Mayor (uma espécie de super-prefeitura de Caracas), um golpe considerável contra os bolivarianos, em qualquer tipo de avaliação, especialmente pelo valor simbólico. Parte da capital, Caracas, pertence ao território de Miranda.

2 – Creio que a derrota na Alcaldía Mayor tem um peso particular, pois o candidato do PSUV, Aristóbulo Isturiz (um negro), é um político popular e representativo das forças governamentais. Antes do processo eleitoral, ele era comentarista político na principal TV estatal (Venezuelana de Televisión).

Foi o primeiro a se sentar na cadeira presidencial (um gesto simbólico, ele era então ministro da Educação) quando os golpistas de abril/2002 foram expulsos do Palácio Miraflores pelo povo rebelado nas ruas. E foi o dirigente do PSUV mais votado, entre os 30 que compõem o colegiado, no processo de votação direta dos militantes durante a construção do partido.

3 – Por outro lado, há um dado significativo que a nossa mídia esconde quando ressalta a suposta derrota de Chávez nos grandes centros. Além da existência da Alcaldía Mayor, Caracas comporta cinco municípios: Libertador, Sucre, Baruta, Chacao e El Hatillo, cada um com seu prefeito (alcaide ou, em espanhol alcalde). É uma situação estranha para nós, talvez difícil de se entender.

Pois bem. Em Libertador, disparado o mais populoso dos municípios da capital, venceu o candidato do PSUV, Jorge Rodriguez, e isso nunca é lembrado na mídia. Trata-se também de uma figura representativa do chavismo. Foi vice-presidente de Chávez (o vice lá não é eleito, é escolhido pelo presidente da mesma maneira que ocorre com um ministro) e deslocado para a direção do PSUV no processo de criação do partido.

4 – Dizer que a oposição ganhou dois estados em 2004 e agora cinco não dá idéia da realidade. Na verdade, as forças chavistas hoje (antes da posse dos eleitos) enfrentam a oposição de sete governadores (dois que ganharam a eleição e cinco que venceram com o apoio de Chávez, mas romperam com o governo). Após a posse, em janeiro, este número baixa para cinco. Quer dizer, em número de governos, os bolivarianos avançaram mais ainda e não o contrário.

5 – Outro dado “esquecido” por nossa mídia: na comparação dos votos dados aos candidatos chavistas e aos oposicionistas, os primeiros venceram com uma diferença de mais de 1 milhão de votos, o que também contraria a tese tão cara à imprensa de que os grandes centros votaram contra Chávez. Tal diferença é num universo em torno de 11 milhões de votos efetivamente marcados nas maquininhas.

6 – Mais um dado “esquecido”: os chavistas venceram em cerca de 80% dos municípios do país.

(Fico imaginando a zoada que aconteceria se o PSUV tivesse perdido no estado de Barinas, terra do presidente. Antes do pleito, já se alardeava a possibilidade dos conterrâneos de Chávez puxarem seu tapete, houve matéria falando até da cidade onde o presidente nasceu, etc e tal. Mas, infelizmente para os sedentos pauteiros da nossa mídia, Adán Chávez, seu irmão, venceu a contenda).

Outro fato importante é o comparecimento dos eleitores, em torno de 65% dos quase 17 milhões aptos a votar, um percentual inédito na história do país. E com todo o processo transcorrido de forma satisfatória, com transparência e liberdade de atuação dos oposicionistas, conforme atestam os 134 observadores internacionais, o que se choca com a imagem de truculência que a grande mídia tanto se empenha em forjar contra o líder venezuelano.

3 comentários:

Lito "Tchê" Solé disse...

Boas lembranças! Gostaria muito que mais pessoas tivessem acesso a estas informações...
Abraço.
MCA - www.movca.blogspot.com

Anônimo disse...

Só lendo A VERDADE E MENTIRA NO
SENTIDO EXTRAMORAL de Friedrich Nietzsche e depois pedir duas doses de conhaque.

Mônica Bichara disse...

Jadson, parabéns pela inclusão desse texto, brilhante, na Caros Amigos. Só mesmo uma publicação desse nível para ampliar o debate de alto nível que você propõe. Beleza!