sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Linguagem jornalística há 100 anos

(Ao velho Araka, que usava "indumentária" quando redator da TB, especialmente a primeira nota)
Jadson Oliveira
O Jornal do Commercio, de Manaus, tem mais de 100 anos

O Jornal do Commercio (assim com dois emes e sem acento), aqui de Manaus, que completou 105 anos no último dia 2, reimprime diariamente uma página do início de sua vida, fazendo-a circular junto com sua edição atual. Pesquei algumas notas de duas de suas edições, uma de 25/11/1912 e outra de 13/01/1913.



Página do Jornal do Commercio reimpressa de edição de 1912

São verdadeiras pérolas para os estudantes de Jornalismo Comparado. Interessante e engraçado para quem curte essa coisa de escrever e ler notícias. Gostoso apreciar o contraste com a linguagem e a técnica em vigor hoje, bem como com os costumes, o comportamento, os conceitos e preconceitos da sociedade atual. Mantenho a ortografia da época, pois creio que dá um sabor especial.

A eterna desculpa – Vem sob o título OCCORRENCIAS (Desculpe Araka, não é só pra você, é pra todos nós cachaceiros, sem esquecer, jamais, José Irecê):
"O alcool é a eterna desculpa de todas as acções reprovaveis. Individuos ha de tão baixos sentimentos que se embriagam para, ebrios e cambaleando, perpetrar toda a sorte de depredações, toda a especie de desordens.
Estava bebado, diz-se em justificativa.
É o caso de Francisco Alves Feitosa. Absorvendo bebidas sem conta, andou hontem a promover arruaças lá para as bandas da praça de S. João.
Mas a policia, chegando-lhe ao pé em bôa hora, applicou-lhe o correctivo que se fazia necessario."
Amor puro e casto (esta, também de OCCORRENCIAS, é a legítima defesa da moral e da honra):
"Sergio Rodrigues da Costa tem seu domicilio na colonia Oliveira Machado.
Também reside naquele aprasivel logarejo Joanna Francisca do Amor Divino, com sua filha Luiza Maria da Conceição.
Sergio apaixonou-se por Luiza; mas não soube (ilegível) nesta paixão um amor puro e casto, idealmente santo. Fez-se d. Juan Tenorio e conseguiu, por meio de fallazes promessas de casamento, esmagar aos pés a corôa symbolica daquella virgem que o amava.
A mãe da pobre victima contou o caso à policia do primeiro districto, cuja autoridade de permanencia mandou proceder a exame medico legal, constatando o dr. João Dias a veracidade da accusação.
Sergio Costa ficou detido naquelle posto policial".
Aggressão e ferimento – É o título, com direito a subtítulo ou "apoio", como dizemos hoje: "Houve hontem um sarilho à rua Lobo d'Almada".
São cinco parágrafos (o espaço é pequeno, a página, como se pode ver na foto, é dividida em sete "medidas"). Os três primeiros, o famoso "nariz de cera" no jargão das redações, são assim:
"É frequente se vêr, no turbilhão da humanidade, individuos turbulentes, dispostos sempre a perturbar a ordem, a maltratar o seu semelhante sem piedade e sem constrangimento.
Para esses, nada ha de mais natural que vibrar uma bofetada, atirar com uma bengala sobre o corpo do proximo, aggredir estupidamente a quem quer que seja.
É quasi uma nevrose, o goso de ver soffer a outrem, o desejo de se sentir mais forte e provar que o é realmente".
Aí no quarto parágrafo, o redator fala da agressão propriamente dita e, no último, arremata: "A arma em acção foi o guarda-chuva, que manejado com habilidade e arremessado com força, produziu um ferimento no couro cabelludo do paciente".
O tempo ontem – Primeiro tem uma notinha, sob o título "Hontem", e logo acima há o título maior "Omnibus". Não consigo atinar com a relação entre uma palavra e outra. (Depois da nota "Hontem", segue outra intitulada "Hoje", onde estão relacionados audiências na Justiça, missas, leilões, programação de teatro, cinema, plantonistas de delegacias de polícia). Ei-la:
"Manhã alegre, morna e calma.
A tarde começou limpida e clara, tendo por volta das trez horas cahido um aguaceiro forte e tempestuoso, de relampagos fuzilantes e trovões que ribombavam com estrepido.
A noite foi escura e fresca."
Na outra edição, a mesma coisa - "Omnibus" e "Hontem" (o redator capricha):
"O dia de hontem, embora quente, não foi todo elle de calor asphixiante e insupportavel.
A manhã, illuminada nas reverberações de um sol que fuzilava no céo escampado, tornou-se ligeiramente morna.
A tarde, abrasadora às primeiras horas, chegou a ser agradável das trez horas em diante.
A noite foi suave. O céo apresentava pyramides em profusão de nuvens accumuladas, pelo meio das quaes a lua, divinamente branca, boiava serena e placida numa esteira de frócos alvacentos".

As queixas do povo – Reclamações que nos trazem:
"Uma família, residente numa casa em frente à villa Georgett, pede por nosso intermedio as vistas da policia para o procedimento dos moradores d'uma "republica", na localidade n. 6, da mencionada villa, que têm por habito vir à janela em trajes de Adão"


Os Buliçosos – O que elles fazem...
"Uma rêde de pesca, uma bonita e bem feita rêde de pesca, pertencente a Damião José Malheiro, desapparecera como por encanto.
Não houve resa, nem promessa, nem nada que fizesse voltar ao velho aprisco o querido objecto.
Pois hontem Damião teve a suprema dita de avistal-a em mãos de Manoel Dias da Silva e correu a contar o caso à segunda delegacia.
Chamado ao posto policial Dias declarou haver comprado a rêde a um negro que se dizia cosinheiro do Chandless."
Os insultos de Thereza – Com aquele título OCCORRENCIAS, mas da outra edição, vão aí, encerrando o espetáculo, duas das seis notas publicadas:
"Thereza Gonçalves, residente no igarapé de Manáos, foi hontem multada em 30$000, pela policia do primeiro districto. Deu causa a isto, uma queixa contra si, apresentada à primeira delegacia por Benedicto Lopes, que disse à autoridade de permanencia ser constantemente victima de insultos de Thereza".
"Raymundo Silvestre da Silva, individuo sem emprego, estudou um meio de poder angariar a vida graciosamente... e mãos a obra. Arranjou uma "arapuca" lá para os Artigos bellicos e haja pegar galinhas. Já estava com oito dentro de um sacco quando appareceu a praça."



5 comentários:

Mônica Bichara disse...

Receba, Araka! Você, figura de "tão baixo sentimento", que costuma ficar "absorvendo bebidas sem conta", termina "perpetrando toda a sorte de depredações, toda a especie de desordens". kkkkkkkkkkkk Fantasiado de torcedor do Baêêêa, então....., só promove aruaças. É mesmo um autêntico "individuo turbulente". Valeu Jadson

Mônica Bichara disse...

Desculpem o erro: é arruaça

Anônimo disse...

Aê Araka! Quem manda ficar por aí "absorvendo bebidas sem conta" e fantasiado de torcedo do Baêêêa? Bem feito! (hihihihihihi).

Anônimo disse...

Ops! Errei também. É torcedor!

Anônimo disse...

Jadson, tive um dia agoniado no trabalho, mas não vou mais precisar nem de calmante, nem de yoga e nem de massagem pra relaxar. Ri tanto que a agonia passou.
Um beijo