sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Como igualar o desigual?

Jadson Oiveira

Os companheiros me convocaram para que participe da nova proposta de Mídia Baiana, uma idéia luminosa contra os equívocos que, infelizmente, estão a predominar na nossa chamada grande imprensa (em jornais considerados de esquerda, usam a denominação “imprensa corporativa”; Milton Severiano, da Caros Amigos, usa sempre, significativamente, “a mídia gorda”).

Me perdoem o que parece esnobismo, mas confesso que há muito tempo deixei de levar a sério os noticiários de nossos meios de comunicação e, o pior, não consigo acompanhá-los como deveria.

Primeiro, pelo seu comprometimento com o “pensamento único” emanado dos laboratórios das grandes corporações internacionais, afinado, claro, com os interesses do império norte-americano; e segundo, uma derivação natural, pela prioridade ao que se poderia chamar, na tentativa de uma síntese, de futilidades atreladas à indústria de entretenimento.

Há exceções, óbvio. Publicações que tenho acompanhado e creio que têm credibilidade, como é o caso da revista Caros Amigos e a recente Le Monde Diplomatique Brasil.

Entre as que podemos considerar empresariais, destaque para Carta Capital. Lembro também Cadernos do CEAS (Centro de Estudos e Ação Social), entidade de jesuítas e leigos com 40 anos de luta em defesa dos pobres, embora se trate de publicação dirigida aos militantes sociais. Não falo de blogs e sites, pois são inúmeros e conheço poucos.

Arrisco-me, então, a modestas opiniões abordando algumas matérias recentemente publicadas na nossa imprensa. O título acima se encaixa nas duas primeiras notas.

1 – “Ainda bem que o senhor é assim. Muitíssimo obrigado”. Com este agradecimento, Mário Kertész, da revista Metrópole, encerra a entrevista que fez com Paulo Maluf. O conhecido político paulista tinha encerrado suas declarações pedindo desculpas por sua sinceridade, “que eu sou assim”.

O final feliz poderia ter passado desapercebido se Maluf não tivesse abusado da suposta ingenuidade do leitor ao comparar, com peculiar eloqüência, sua prisão com a de vários ex-presidentes da República e também com a do presidente atual, Luiz Inácio Lula da Silva.

É demais, não? Os ex e Lula, todo mundo sabe, passaram por prisões por questões de cunho político. Lula, inclusive, foi preso quando atuava como líder sindical durante a ditadura militar, fato que deve figurar em seu currículo como meritório. Maluf sofreu o constrangimento da cadeia, juntamente com um de seus filhos, sob a acusação de corrupção, em plena vigência de regime considerado democrático pelos cânones do liberalismo. São duas situações incomparáveis.

Numa hora dessas, o leitor espera que o entrevistador intervenha, de alguma maneira. Se esperou, esperou em vão. Faltou um elementar senso crítico ao entrevistador.

2 – Um samba-de-criolo-doido a manchete de primeira página da quinta-feira, dia 4, de A Tarde: “Patrimônio conjunto dos vereadores cresce 90,3%”. A manchete, principalmente. Mas a matéria, também, a despeito de conter muitas informações úteis para que o cidadão saiba mais sobre a atuação ou a falta de atuação de nossos representantes na Câmara Municipal, particularmente quanto ao enriquecimento ou não de cada um.

O enfoque, porém, mais confunde do que informa ao tentar colocar todos no mesmo saco, ao tentar igualar os desiguais. Se o leitor se der ao trabalho de ler todo o material, vai descobrir que a diferença da variação patrimonial é enorme entre os edis, inclusive há variação para menos.

E quem leu só a manchete? Os autores da matéria somam os patrimônios declarados de todos os 35 vereadores (são 41, mas seis ficam de fora), de 2004 e 2008, e tiram uma média do crescimento patrimonial, sempre englobando todos, chegando assim aos 90,3%. O patrimônio dos 35 era 9 milhões de reais em 2004 e passou a 17 milhões em 2008, aumentando portanto 8 milhões (números arredondados).

Acontece que, segundo dados da própria matéria:
a) Desses 8 milhões de reais acrescentados aos bens/dinheiro do conjunto dos 35 vereadores, 7 milhões tornaram mais ricos apenas cinco vereadores.
b) Só um deles, o primeiro na lista dos mais ricos, teve o patrimônio aumentado de l,4 para 5,8 milhões.
c) O milhão restante (dos 8 milhões) teria ido parar nas mãos dos 30 restantes.
d) Teria. Porque, tudo conforme os dados da própria matéria, há imensas diferenças.
e) Sete deles tiveram o patrimônio reduzido, quer dizer, teriam ficado mais pobres ou menos ricos.
f) Há o caso de uma vereadora que teve variação percentual grande para mais, mas ocorre que tinha somente 5 mil em 2004 e agora está com 125 mil.
g) E um outro cujo patrimônio declarado em 2008 é de apenas 17 mil.

Há no decorrer da matéria um trecho que li e reli umas quatro vezes para me certificar de que estava lendo corretamente. É quando faz referência ao primeiro entre os que mais enriqueceram. É assim: “O legislador que mais contribuiu para o aumento do patrimônio total dos colegas foi...” O aumento do patrimônio total dos colegas... li, reli e não acreditei que alguém, na hora da edição, não tivesse percebido o absurdo da afirmação.

3 – Tuuuuuudo muda! Tudo??!!. O Correio da Bahia também mudou. Aliás, o velho Correio já havia mudado, especialmente na cobertura da política baiana.

Agora a mudança foi na forma, creio que para melhor, muito melhor. Talvez por influência dos três meses que vivi recentemente em Caracas, passei a gostar dos jornais em tamanho menor, como está o Correio hoje.

O jornal mais lido da Venezuela – primeiro lugar disparado -, de nome Últimas Notícias, é de formato semelhante (por sinal, é o único do país com noticiário equilibrado, isto é, não é declaradamente nem a favor nem contra o presidente Hugo Chávez).

O Correio agora está leve (no sentido que falam os jornalistas, leitura mais fácil, atrativa). Quanto ao conteúdo, de modo geral, segue a receita empresarial dos tempos do neoliberalismo, com o noticiário emitido pelos centros de poder, através do enfoque padronizado das agências de notícias, e tome entretenimento...

As duas primeiras manchetes de capa (uma sobre os baianos que retornam de São Paulo e a outra sobre a formação de milícias nos bairros pobres de Salvador) tratam de temas interessantes e ricos. Mas, infelizmente, parece não haver mais lugar na chamada grande imprensa para um investimento em reportagens. O assunto desperta, mas o leitor fica esperando um pouco mais.

O companheiro Bonfim já abordou a mudança do Correio aqui na Mídia Baiana, com informações úteis para sua compreensão. Quero só acrescentar que Opus Dei, organização de católicos de tendência fascista, foi objeto de reportagem de capa da revista Caros Amigos, quando da última campanha presidencial (Geraldo Alckmin, que disputou com Lula, é ou era vinculado a tal entidade).

4 – Para entrar, um pouco, no tema do momento, as eleições municipais (já tocado aqui na Mídia Baiana, com propriedade, pelas companheiras Mônica e Carmela), anoto minha decepção pela falta de debate quanto à necessidade de mudança na política. Mudança no sentido de estimular a participação do povo pobre, dos movimentos sociais.

Não consigo enxergar nada na política baiana, pelo menos do que sai na grande imprensa, no sentido de se promover o protagonismo popular. O povo pobre só serve para votar?

A propósito, para reflexão, transcrevo uma resposta da deputada Luiza Erundina, ex-prefeita de São Paulo, em entrevista a Le Monde Diplomatique Brasil (agosto/2008). A pergunta é sobre a perspectiva da campanha eleitoral suscitar debates substantivos.

“Dom Tomás Balduíno costuma dizer que ‘o novo é o povo quem cria’. Não são os políticos nem os partidos. É por isso que precisamos sempre plantar a semente da mudança, senão desanimamos. A próxima eleição pode ser um instrumento para isso. Aqui, em São Paulo, a candidatura de Marta Suplicy talvez tenha a capacidade de reaglutinar as forças de esquerda. Não por ela ou pelo PT, porque, sozinhos, eles não configuram um campo político à esquerda. Mas pelas propostas que talvez se associem ao seu nome. Sua campanha e seu governo poderiam proporcionar espaços para agregar muitas forças, inclusive as insatisfeitas com Lula.

E os movimentos sociais que protagonizaram as grandes mudanças a que nos referimos antes (no decorrer da entrevista) e que hoje se encontram desmotivados certamente viriam juntos.

Quem sabe saia desta eleição não apenas uma candidata eleita, mas uma articulação capaz de gestar um novo processo político. Devido à enorme importância econômica, social, política e cultural de São Paulo, isso repercutiria no país inteiro.

Não estou embarcando na candidatura da Marta achando que é disso que a cidade precisa, mas em nome da oportunidade de gerar uma nova dinâmica capaz de atrair as pessoas interessadas em intervir, em participar. Um fórum onde se discuta a cidade, as grandes questões urbanas e uma gestão democrática capaz de abrir espaço para os movimentos sociais se expressarem.

Dessa forma, se iniciaria um novo ciclo de acumulação de forças. Antigamente, essas forças estariam em um partido político, mas hoje não existe mais uma legenda que corresponda a tais expectativas. Justamente por isso devemos criar um espaço, com o pretexto da eleição, que dê condição de ação política a todas as pessoas que pensam a cidade e o país para além de um acanhado horizonte de quatro anos”.

2 comentários:

Mônica Bichara disse...

Aê! Jadson Oliveira na área. Perfeita sua avaliação sobre a matéria do jornal A Tarde. E o sentido desse espaço é justamente este, exercer uma visão crítica (elogiar ou criticar quando for preciso). Eu não queria comentar por trabalhar na Câmara, para não parecer defesa de vereador, mas não resisto. Não vai aqui nenhuma bajulação de assessor (mesmo p/q esse não é o meu perfil), apenas uma opinião jornalística: também não consegui entender o sentido dessa soma dos patrimônios; o que isso contribui para que os leitores/eleitores conheçam os vereadores?; que relação o patrimônio tem com o exercício do mandato, sem que seja apresentado nenhum indício de enriquecimento ilícito?; por que colocar todos como farinha do mesmo saco, só para ocupar mais espaço no jornal (capa e duas páginas)?; na falta de uma denúncia forte que justificasse, por que tanto destaque??????
Quero deixar claro que não me refiro aos textos, pois os colegas que assinam a matéria são dos mais competentes, mas à prática de "esquentar" o material para dar peso de denúncia. A charge da capa não deixa dúvida. E os comentários dos leitores publicados no dia seguinte mostram que a idéia do balaio de gato predominou.

José Bomfim disse...

Artigo para se guardar, companheiro Jadson. Muito interessante. Nas entrelinhas, o lembrete para coleguinhas "que estão editores" não cederem às pressões dos donos da empresa em busca de "furos" inexistentes e colocarem seus repórteres em saias justas. Também sobre a "mídia gorda" outro indicativo do companheiro, não podemos esquecer do "laboratório" que gera a maioria das pautas e isto não é mania de teoria conspiratória não. Valeu, Jadson.