terça-feira, 23 de setembro de 2008

Escravidão Online (II)





Joana D’Arck

Em seu comentário Escravidão Online Carmela Talento não poderia usar melhor exemplo do que o revolucionário Tempos Modernos, de Charle Chaplin, para comparar a realidade revelada na palestra da editora da Folha Online, Lígia Braslauskas, no sábado (20), assunto que merece ampla reflexão dos jornalistas.



Veja em números o resultado do trabalho na redação digital do grupo Folha, onde o compromisso com a notícia é a velocidade: somente a editora responde diariamente média de mil e-mails de leitores reclamando dos erros e cada um da redação também recebe média de 200 solicitações de correções.

O perfil da redação: os repórteres têm em média 25 anos e os editores 30, no máximo, mas a própria Lígia admite que ela e muitos já sentem dores na coluna, bursite etc, por conta do longo tempo trabalhando no computador.

E mais: não é obrigatório ter diploma de jornalista, porque a Folha acha que a notícia é coisa "pra quem sabe escrever", não precisa passar pelas faculdades de comunicação para adquirir técnica e conhecimento científico sobre a responsabilidade e a influência da comunicação e os princípios éticos para trabalhar com a notícia. Isso até rendeu um pequeno debate e Heloísa Sampaio relembrou dos tempos em que no jornal A Tarde entrava para a redação quem caísse nas graças de um chefe que “queria montar a espora” .

Depois de falar com ar de satisfação sobre o ritmo e a produção da redação digital da Folha, a editora comentou em tom de brincadeira: “Que sorte que eles me deixaram vir aqui para essa palestra. Saí da escravidão”.

A rotina da Folha parece ter gerado um quadro esdrúxulo, semelhante ao do Tempos Modernos, em que o trabalhador acaba sendo absorvido de tal forma que nem se dá conta do quanto é explorado e, sem reagir, acaba enlouquecendo. Tanto é que os repórteres da redação digital ainda acham que a equipe de impresso do grupo “tem receio de trabalhar mais" e é formada por "ultrapassados e caretas”. No entanto até esses são explorados pelo grupo, porque o material é aproveitado na íntegra pelo Online, sem qualquer ganho do autor. Enquanto a redação de impresso, segundo a própria palestrante, acha que o pessoal do digital é “muito jovem, inexperiente e não consegue contextualizar a notícia”.

A palestra promovida pelo Projeto Imprensa em Dia, da FTC, suscitou diversos comentários da platéia formada por profissionais e estudantes que vivem as duas realidades em Salvador. Uma colega ao lado desabafou: “Sou feliz e até agora não sabia”.

É certo que o jornalismo digital veio pra ficar e o impresso pode sofrer sérias modificações (há previsões bem mais catastróficas como a de que o impresso vai desaparecer). Portanto é preciso debater a questão. Não deixar que o avanço tecnológico nos leve para um retrocesso de escravidão e falta de compromisso com o essencial da notícia.

16 comentários:

José Bomfim disse...

Cada dia melhor o debate. Essa escravidão online hoje só ganhou um nome mais modernoso, mas o jornalismo sempre foi a linha de montagem tão bem ironizada por Chaplin. É escravidão mesmo. Jornais, emissoras de rádio e TV tiram mesmo o couro. E, garantem coleguinhas envolvidos nessa seara, também as assessorias políticas, principalmente da turma dita esquerda - cujos políticos confundem profissionalismo com militância, afirmam os envolvidos. Carmela e Joana abriram o debate, vamos lá, dê sua opinião.

Mônica Bichara disse...

Bem lembrado, Bomfim. Não só as assessorias políticas (de todas as cores), mas também muitos sindicatos, costumam confundir as coisas e cobrar militância de quem foi contratado para ser profissional.
Como anda a fiscalização das nossas entidades de classe (Fenaj, Sinjorba...) sobre essa quebra da jornada de 5 horas? É bom lembrar que a categoria já era campeã de problemas cardíacos, estresse... Calcule agora.
Viu, Taís (minha sobrinha caloura da Facom)? Depois não diga que não avisei. bjs,
Mônica

Anônimo disse...

Pensando sobre tempos modernos, redações de impressos e online, TVs e assessorias políticas, sejam em sindicatos ou não, tem coisas que não mudam em todas essas formas de veicular notícia, e outras que mudaram bastante. Mudou muito a indústria de notícias. A agilidade exigida, a quantidade de trabalho a que um repórter precisa se submeter, e o tipo de qualidade. Qualidade veloz, muitas vezes superficial e mal apurada. A qualidade de fazer muito em detrimento da de fazer bem feito. Mudou a forma e o conteúdo, a "ética flexível" para embasar novas regras desse jogo de informações, calçando o jogo do poder. Mudou o status do jornalista que começa a se perceber como operário da notícia onde antes se via na ilusão glamurosa da profissão, para alguns, ou no exercício dos ideais do jornalismo, para outros. Mudou a segurança de que bons jornais são bons empregos para sempre, porque nem eles mesmos são para sempre. Abraçam novas mídias para não perder o bonde dos novos tempos. E se fortalecem. E exigem. E determinam o mercado. E voltamos à velocidade para chegarmos antes. E produzimos e produzimos e produzimos. E adoecemos.
Vida de jornalista é curiosa. A gente passa 7, 8 horas numa redação (às vezes mais). Quase todos fazem freela porque o mercado não é amigo com o profissional, e com um trabalho só não se sobrevive. Todos, sem exceção, falamos do quanto somos escravizados nessa vida louca de corre-pra-chegar-primeiro e de como é difícil manter a saúde física e emocional e intelectual. E competimos. Mas nesses tempos para sempre modernos de exploradores e explorados, nesses tempos para sempre modernos de neoliberalismos e relações confusas de trabalho, o que não muda é a nossa capacidade de desunião, é a fragilidade da categoria (categoria?!!), é a regra principal do farinha-pouca-meu-pirão-primeiro. Isso não muda. Nem a imagem que construímos de nós mesmos.

Anônimo disse...

recém ingressada na faculdade, e fui logo bombardeada com palestras, discussões e uma quase imposição do tipo "não tem como você escapar" sobre jornalismo online. sinto dizer, aos "jovens inexperientes", que até então não encontram em mim concorrência.

quanto ao jornal impresso desaparecer, acho que não irá acontecer. por mais eficientes e rápidos - e agora móveis - que sejam os novos meios, o impresso continuará aí. seja por caretice, por destino, por maior qualidade ou por acessibilidade mais igualitária. estará aí, sempre.

tais, a sobrinha caloura da FACOM.

Mônica Bichara disse...

Aí, Tai! Estreou em alto nível. Participe e incentive os colegas a discutirem, pois isso ajuda a botar os pés no chão - sempre tem uns deslumbrados que só pensam (e acreditam) no mito do glamour da profissão. E é bom ficar ligada, porque sobram estudantes nessa senzala online.
Concordo com "anônimo" sobre a fragilidade e desunião da categoria, situação que só tende a piorar com esse cenário tão bem descrito por Joana e Carmela. Afinal, as redações ditas modernas estão reeditando a concorrência e a disputa até mesmo entre os colegas de uma mesma editoria. Um exemplo são os salários diferentes, por produtividade.
bjs

José Bomfim disse...

Anônimo pontuou direitinho o sofrimento de quem abraça (ou é abraçado) essa profissão. O desafio de fazer sempre um trabalho acima da média é diário.

Carmela disse...

Esse é o bom debate.Pés no chão, botando a cabeça para funcionar.Os problemas existiram, existem e existirão, mas nem tudo está perdido. É preciso atitude.Esse negócio de dizer que "é assim mesmo", não condiz com o perfil de jornalista e como costuma dizer o amigo Machado, "vamos adiante"!

Anônimo disse...

O rosto desse cenário tem duas faces, ambas terríveis: uma é o estreitamento da vida dos que trabalham; outra é o que isso acaba por provocar nos ‘outros’, os leitores/consumidores. Como indivíduo o jornalista vê sua rotina transformada em uma sucessão de horas em que ele não pensa, não enxerga, não sente e não ouve o mundo e nem a si mesmo – apertando porcas como Chaplin. A espoliação não é só física (por si só cruel), mas também crítica e emocional. Numa linha de produção, a reflexão sobre a realidade, a razão de ser do trabalho, desaparece numa nuvem de automatismo e perda de significado e as questões da ‘pessoa’ (suas dores, seus amores, sua vida...) vão no roldão. Esse deserto pessoal acaba por se refletir no mundo: o que essas noticias têm a nos dizer, tão impessoais, distantes e recortadas que são. O jornalismo (online, televisivo e boa parte do velho e bom impresso) é cada vez mais evasão e menos reflexão. O mais triste é que vemos a lógica da empresa (lucro, produtividade medida como quantidade, despersonalização) se cristalizar como hegemônica também no plano do indivíduo: não estive na palestra, mas suponho, pelos relatos, que a editora tenha demonstrado orgulho de seu trabalho. A mensagem é: “Eu estou me f... e f... com meus jovens repórteres, mas tá tudo certo, eu trabalho na Folha!”

Anônimo disse...

Oi Aninha, que bom ver você aqui. Acho que eu Carmela conseguimos passar bem o sentimento de orgulho demonstrado pela palestrante.Como você observou, a idéia parecia essa mesma:"Tô me acabando, mas e daí? Eu trabalho na Folha!".

Unknown disse...

O debate é bom!

Se os estudantes de jornalismo levassem a sério 10% do que dizem sobre a profissão certamente não teríamos mais estes problemas. Não teríamos tanta gente querendo trabalhar e talvez valorizassem mais os profissionais. Mas a verdade é que só em Salvador há 14 cursos de jornalismo e o quadro de escravidão só tende a piorar.

Peguemos como exemplo os mais novos panfletos de Salvador: o Jornal e a Revista da Metrópole. Nas equipes de reportagem de ambos há apenas estagiários, que recebem cerca de R$ 400 cada um. No jornal ainda há uma editora-chefa formada, mas a revista quem edita é uma estagiária em seu quarto semestre de faculdade. Qual o compromisso que tem um veículo deste? Que respeito tem à profissão de jornalista quem acredita que pode manter uma redação nestas condições?

A realidade do jornalismo na Bahia consegue ser muito pior que o quadro traçado pela editora da Folha online. Aqui o jornalismo não forma um campo social reconhecido como tal, com seus graus de hierarquia baseados nos valores específicos do jornalismo, como a competência, a experiência, as boas fontes, a independência... Assim sendo, os bons jornalistas não são reconhecidos e recompensados. E desta forma, radialistas, políticos e jornalistas compromissados não só com a verdade entram em cena colhendo os louros (principalmente financeiros) do protagonismo decorrente da grande exposição que eles têm (na maioria das vezes, em seus próprios veículos).

Aqui em Salvador quase que não temos a figura do colunista e articulista político, como é possível observar nas grandes publicações nacionais, respeitado e destacado pela sua competência – na verdade quase não há espaço para que os bons profissionais se destaquem. Sobra aos jornalistas de verdade a constante pressão por mais eficiência, afinal, os 14 cursos que existem, se não formam bons jornalistas, ajudam a piorar o já inchado “exercito de reserva”. Por isso torço para que palestrantes como a editora da Folha continuem visitando as faculdades de Salvador. Se 10 % dos titubeantes alunos de cursos de esquina pular do barco, quem sabe assim se formem menos apertadores de parafusos baratos.

Mônica Bichara disse...

Você foi na ferida, Rafael. Esses 14 cursos lançam centenas de novos profissionais por ano no mercado, à própria sorte, para disputar uma guerra já declarada. O resultado é o que todos nós conhecemos - onde vamos achar tanto parafuso pra apertar?
E pensar que o sr. MK ainda se acha no direito de fazer aquele papelão no debate, representando a imprensa. Ele devia dar o "dedão" era para o desrespeito com que trata seus funcionários e todos os profissionais. Os "órfãos" do Jornal da Bahia até hoje esperam ver a cor da indenização.
Quero aproveitar também pra lamentar nota publicada hoje no site do meu amigo Jânio Lopo, insinuando troca de favores entre Executivo, Legislativo e Judiciário pelo fato da presidente do TJ ter assumido temporariamente o governo do estado. É uma acusação muito grave pra ser feita assim, sem provas, e que dificilmente surgiria em outros tempos (de triste memória).
bjs.

Jadson disse...

Me animo quando vejo variadas opiniões no Mídia Baiana, especialmente quando entra gente que não conheço e, mais especialmente ainda, quando se trata de jovem, como a Tais (?), a tal sobrinha caloura da Facom. Se a juventude não se mexer, é sinal que a sociedade está entorpecida. Seria interessante também posições contrárias, o chamado contraditório, para o debate render mais frutos. Parece que a idéia deste blob foi boa mesmo.
Jadson

Jadson disse...

Mais uma coisinha: Escravidão Online é um belo título.

Anônimo disse...

Gostaria de convocar o colega Luiz Augusto Gomes, defensor da ética nos meios de comunicação, a condenar, aqui nesta tribuna, a campanha calhorda engendrada pelo candidato Roberto Muniz, que por acaso é seu chefe, em Lauro de Freitas. Mais ainda : que ele, Gomes, peça demissão nas próximas horas. E que se recuse, caso convidado, a participar do debate na TV Bahia, já que assessora um um partido político no pleito em curso. Que manifeste-se já ou cale-se para sempre.

Anônimo disse...

A propósito, gostaria de colaborar com este blog. Precisa pagar?

Mônica Bichara disse...

Pagar? Colé, Arapinga! Tá estranhando a galera aqui, é?
Quanto à campanha em Lauro de Freitas,é a coisa mais sórdida que já vi. Inacreditável mesmo. Mas o feitiço vai virar contra o feiticeiro e Moema vai sair ainda mais fortalecida dessa fase que está atravessando.