segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Notícias esparsas da realização do filme

Josias Pires


Fotos: Divulgação




Foto de Voltaire Fraga. Salvador, Bahia/Images&Visions

CUÍCA DE SANTO AMARO – 1

Voltaire Fraga


Recebi de Diógenes Moura, curador de fotografia da Pinacoteca de São Paulo, catálogo da exposição fotográfica "Voltaire Fraga – Abundante Cidade Dessemelhante Bahia".

Imagens captadas com rara sensibilidade, que nos capturam pela beleza e densidade. Capaz de escolher ângulos e enquadramentos definitivos. Voltaire Fraga nos oferece a "alma de uma cidade diante da alma de um dos seus filhos que bem sabia quais os caminhos a percorrer", nas palavras de Moura.

Na capa do catálogo, a câmara do alto (da Igreja da Conceição da Praia?) descortina a rua da Preguiça, quando esta ainda era ladeada por um campo esportivo (1940). No canto esquerdo, embaixo, na esquina da rua a "Casa Garcia"; no canto direito, ao alto, antes do mar, o prédio do armazém-geral, Trapiche Adelaide.

Em cada uma das 60 fotos do catálogo – a exposição na Pinacoteca de São tem 100 fotografias (aberta ao público até o dia 09 de janeiro 2009) – encontramos vivos os contrastes e harmonias dos casarios, da natureza e da cultura da cidade. Planos que vistos/fotografados hoje nos espantam: lá está a cidade que Voltaire Fraga evoca o espírito - aquela mesma Salvador palmilhada e desvestida pelo poeta-propagandista José Gomes, o Tal, Cuíca de Santo Amaro.

Passeamos pelas festas da padroeira Nossa Senhora da Conceição da Praia e Senhor do Bonfim; pelo antigo Mercado Modelo, e a sua velha Rampa que abriga ao largo a cortina de saveiros; andamos pela Ladeira da Barra antes do Iate Clube; ... tantas imagens, paisagens eternizadas por Fraga, porém desfiguradas pela sanha imobiliária das reformas urbanas decididas nas madrugadas dos podres poderes dos últimos 50 anos. E se vivo estivesse para ver tais escândalos, Cuíca de Santo Amaro desceria a madeira sem dó nem piedade – e poderia levaria o seu, que seria cada vez mais gordo, quem sabe! ...

Deixemos falar quem conhece de perto a obra de Voltaire Fraga, a fotógrafa Maria Sampaio, que em 1986 organizou, com Célia Aguiar, uma exposição "Fotógrafos em 20 anos" em que o homenageiam. (Por sinal, Célia Aguiar foi quem organizou a única exposição individual de Voltaire Fraga, em 1999, quando dirigiu a galeria Pierre Verger).

"Ver as fotografias de Voltaire Fraga é tomar o bonde, descer o Rio Vermelho de Baixo por dentro da mata, margeando o Dique, onde os muitos barcos de carreira fazem a travessia de passageiros [e lavadeiras estendem roupas], e seguir ... talvez na carona de um jegue do freguês do coco, percorrer a orla (...) uma pescada de rede em Armação, as jangadas e os pescadores das canções praieiras de Caymmi em Itapoã; (...) os vendedores de caju ou abacaxi e os vendedores de caranguejo abrirão caminhos para o conhecimentos de grandes figuras baianas e célebres visitantes ...".

Ah! Os personagens de rua de Salvador daqueles tempos.

Voltaire Fraga nasceu em Salvador em 1912 – cinco anos depois de nascido o nosso poeta trovador José Gomes. No texto "Voltaire Fraga por ele mesmo" (1996) conta que em 1927, quando atuava como vendedor de anúncios publicitários para o jornal Diário de Notícias sentiu-se "enfeitiçado" pela visão de uma câmara fotográfica alemã numa vitrine da rua Chile. Deu-se nele o "estalo da arte", tão poderoso quanto o "estalo de Vieira", poderíamos acrescentar. Estudou, montou laboratório, fotografou.

Em 1930 uma coleção de fotografias suas, documentando a inauguração das obras da Colina do Bonfim, foram publicadas nas páginas centrais da revista O Cruzeiro, a grande revista brasileira da época. Passou a prestar serviços para os governos locais e fez cerca de quinze mil fotografias de Salvador entre 1930 e 1977.

Lembra o meu irreverente guru Edgard Navarro que o fogo devorou os acervos dos pioneiros do cinema baiano, o que levou Diomedes Gramacho a jogar no mar muitos dos seus negativos para evitar a tragédia fatal. Os negativos se reproduzem no mar, garante Navarro, e é por isso que ainda hoje podemos pescar alguns filmes, em meio a assombrosas dificuldades. Ainda bem que o mar da Bahia é generoso e alimenta esse museu submarino com muitas milhares de imagens, inclusive fotografias feitas por Voltaire Fraga - no início de 1981, um temporal invadiu sua casa, no bairro dos Aflitos e as águas levaram as cenas registradas em mais de dez mil negativos.

Restam daquele enorme acervo, cerca de duas mil imagens. Parte em posse da família e algumas em arquivos públicos, notadamente na Fundação Gregório de Mattos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Alguns jornalistas dizem que Voltaire queimou ou tentou queimar muitas de suas fotografias pela falta de reconhecimento na época. Verdade?